quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A respiração e o yoga

A respiração e o yoga

Ponto fundamental de qualquer escola ou linha de yoga, a respiração fornece a base estrutural na qual o praticante atento constrói todos os alicerces de seu sadhana (pratica cotidiana). Se aventurar pelo yoga sem a atenção especial na qualidade, no ritmo e na intensidade do trabalho pulmonar seria o mesmo que vagar numa terra desconhecida sem qualquer instrumento de orientação.

Respirar, como todos sabem, é o principio básico da vida. Da mesma maneira, também é um ponto de suma importância no universo do yoga. Seja durante a pratica física ou nos exercícios de expansão do prana (alento vital) bem como em momentos de meditação, respirar bem significa praticar com propriedade e sabedoria.


Processo de levar o ar para dentro e fora dos pulmões, causado por uma mudança tridimensional no formato das cavidades torácica e abdominal – assim é definida a respiração no guia Anatomia da Yoga (sic) de Leslie Kaminoff. Podemos então aproximar os termos conhecidos na literatura do yoga aos descritos acima. No caso especifico da tradição do Ashtanga Vinyasa Yoga é recomendado que nunca se pratique asanas sem se observar a relação intima dos mesmos com os momentos de inspiração e exalação. Logo no primeiro dia de pratica já se percebe uma atenção especial entre montar, permanecer e sair de qualquer postura e ainda respirar de forma sincronizada e precisa, respeitando o conceito de Vinyasa Krama. Para seguir este conceito deve-se estar atento a correta preparação para cada postura, considerando a sincronia entre asana e respiração. Assim, não é à toa que o instrutor guie o aluno de forma pontual apontando cada movimento e a maneira de respirar durante e entre cada postura. Apenas ao compreender profundamente o Vinyasa Krama pode-se conseguir o objetivo descrito no Yoga Sutra de Patanjali – texto de aforismos seminal da tradição do yoga - de permanecer com estabilidade e conforto em todo e qualquer asana.

É neste momento que o Ujjayi Pranayama entra em destaque. Esta respiração na base da garganta com leve contração na laringe para que se estreite a passagem do ar, produz um suave ruído e, por conseqüência, maior controle e ganho de consciência do fluxo continuo de oxigênio inalado. O Ujjayi, ou mesmo, a respiração vitoriosa, aumenta internamente o calor corporal estimulando a transpiração e desta forma eliminando impurezas através do suor intenso gerado pela sua união com a pratica de posturas. Por regular o funcionamento da glândula tireóide e do sistema endócrino este pranayama possui caráter profilático.

Completando o método do Ashtanga Vinyasa, os fechos de energia, também conhecidos por bandhas funcionam como bainhas proteção advindas da contração dos músculos que formam a região do assoalho pélvico e da região profunda do baixo ventre – conhecidos respectivamente por mula bandha e uddyana bandha. Estes movimentos diafragmáticos redistribuem a tensão mecânica da respiração, e desta forma oferecem maior estabilidade ao corpo e também geram calor interno expandindo e desenvolvendo força e potencia física. Sendo assim, os bandhas dão apoio à dinâmica respiratória do organismo e, por conseguinte, nutrem o mesmo. A união entre a sincronia do vinyasa krama, a energia do ujjayi pranayama e a estabilidade dos bandhas levam o praticante a novos níveis de consciência respiratória e corporal, descobrindo-se novas fronteiras físicas e psíquicas.

Mas por que a respiração merece tanta atenção no yoga? Alem dos motivos descritos acima, ela traz ao nosso corpo o prana, ou seja, a vitalidade. Aquele que domina sua respiração possui uma melhor distribuição de vitalidade por todo organismo. Quando o prana não é distribuído satisfatoriamente percebem-se estados de prostração, falta de vigor físico e mental ou mesmo motivação. Em casos mais extremos, quadros depressivos e ainda doenças físicas podem desenvolver-se. Mais uma vez, o Yoga Sutra adverte no aforismo 1.31 sobre os malefícios de uma respiração perturbada citando svasaprasvasa, ou seja, dificuldade de controlar a própria respiração como um indicio, um sintoma que os obstáculos a pratica de yoga estão se enraizando. Por outro lado, aquele que já esta seguro e expande o alento vital a todas as células de seu corpo, experiencia a sensação de contentamento e tranqüilidade pois a quantidade de prana em seu organismo é elevada. Não dissipando ou perdendo vitalidade a mente se torna mais serena e as mazelas do corpo não o perturbam mais.

O yoga não existe sem a respiração. O poder vindo de seu devido domínio dá maestria ao praticante, fazendo com que o mesmo possua corpo físico saudável, níveis de energia elevados em fluxo continuo no organismo e por fim uma mente tranqüila e focada no momento presente, aproximando sua consciência a níveis sutis de percepção.

Saiba mais:

Luz na vida – B.K.S Iyengar

Anatomia da Yoga – Leslie Kaminoff

Ciro Castro

Florianópolis, 20 de agosto de 2008

Ahimsa em pensamento, palavra e ação

अहिम्स

Ahimsa em pensamento, palavra e ação

Patanjali enumera os Yama, ou seja, as prescrições éticas que um yogui deve seguir, a partir da não-violência. Adquirir não apenas atitudes e ações, mas certamente pensamentos e sentimentos não violentos fundamentam a base da personalidade de um aspirante ao Yoga. Mas o que realmente consiste este conceito e, indo alem, como seria a pratica mais adequada ao mesmo?

O renomado professor romeno Mircea Eliade fundamenta este pensamento num pequeno trecho no segundo capitulo de seu livro Yoga, Imortalidade e Liberdade: “Os refreamentos (yama) e as disciplinas (nyama) tem suas raízes no ahimsa e tendem a completar o ahimsa”. Este seria o ponto iniciatico do qual se desdobram todos os outros parâmetros descritos no Yoga Sutra. Desta forma, apenas com a mente e o coração livres de estímulos agressivos pode-se vivenciar os Yama e Nyama seguintes. Isso parece ser claro, pois como teremos a consideração exigida por Satya, a veracidade, sem o conceito de ahimsa devidamente enraizado? Ou mesmo, seria possível vivenciar a ausência de cobiça, Asteya, com impulsos agressivos?

Em seus comentários, Sri Swami Satchidananda explica que ahimsa significa “não causar dor”. Diferentemente de não matar, pois “causar dor pode ser ainda pior que matar”. No trigésimo quinto sutra Patanjali diz: Ahimsa pratisthayam tat samnidhau vaira tyagah – Na presença de alguém com princípios assentados em não violência, cessam todas as hostilidades. Satchidananda conclui: “Quando o voto de ahimsa e assumido por alguém, são cessadas todas as animosidades na sua presença porque esta pessoa emite vibrações harmoniosas. (...) Quando e continuamente praticado em pensamento, palavra e ação por algum tempo, estas vibrações serão constantemente emanadas por elas”.

Fazendo uma analise as avessas do descrito acima, quando estamos em um longo e demorado engarrafamento todos os motoristas permanecem calmos ate o primeiro buzinar e contagiar os outros com sua impaciência e logo se forma uma sinfonia barulhenta. Fica claro que a raiva foi contagiosa e assim, da mesma maneira, a ausência dela também e.

Trazendo luz ao estudo deste primeiro yama, T.K.V Desikachar relata no livro O Coração do Yoga que “ahimsa e mais do que ausência de himsa (ausência de violência). Significa gentileza, amizade e consideração cuidadosa por outras pessoas e coisas”. Mais adiante comenta: “... significa agir com gentileza para conosco. Podemos, como vegetarianos, nos achar em situações em que há apenas carne para comer. E melhor morrer de fome do que comer o que há? (...) ficar preso aos nossos princípios mostraria falta de consideração e ate arrogância”.

Vale ressaltar que um dos grandes nomes da espiritualidade do século 20 ficou conhecido praticamente por se dedicar sincera e profundamente ao conceito da não violência, da não agressividade, de não causar dor. Mahatma Gandhi, a grande alma que em sua luta pacifica fundamentou a independência da mãe Índia através do conceito da não cooperação aos seus opressores, iniciou uma severa greve de fome quando soube que seus conterrâneos e seguidores estavam reagindo de forma violenta às ações do exercito inglês.